ITBI - Temas 796 e 1.348

IMOBILIÁRIOTRIBUTÁRIO

A person putting money into a calculator
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ITBI, integralização de capital e leilão: o que muda com os Temas 796 e 1.348 do STF?

A imunidade do ITBI na integralização de capital tem sido usada há anos em planejamentos societários e patrimoniais. Mas, com a evolução da jurisprudência do STF – especialmente o Tema 796 (já julgado) e o Tema 1.348 (em julgamento) – o cenário ganhou contornos mais definidos.

Este artigo organiza os principais pontos:

  • O que exatamente decidiu o STF no Tema 796.

  • O que está em jogo no Tema 1.348 (imunidade incondicionada).

  • Como funciona a limitação quantitativa da imunidade.

  • Se é possível “escapar” do ITBI quando a empresa arremata imóvel em leilão.

1. Base constitucional: a imunidade do ITBI na integralização de capital

O ponto de partida está no art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal, que prevê a não incidência do ITBI sobre:

“a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital [...]”.

Em linha com a Constituição, o CTN (art. 36) também afasta a incidência nessas hipóteses de conferência de bens para integralização de capital social.

Em tese, portanto, quando o sócio aporta imóvel para pagar capital subscrito, não há ITBI – é a clássica conferência de bens imune.

2. Tema 796 do STF: a imunidade tem limite numérico

No Tema 796, julgado no RE 796.376/SC, o STF enfrentou uma questão central:

A imunidade do ITBI é total ou só até certo valor?

A tese fixada foi:

A imunidade do ITBI não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado.

Em termos simples:

  • A imunidade existe, mas é parcial.

  • Ela protege apenas a parte do valor do imóvel que corresponde ao capital social efetivamente integralizado.

  • O que exceder esse montante pode ser tributado.

2.1. Exemplo prático
  • Valor de mercado do imóvel: R$ 1.000.000,00

  • Capital a ser integralizado com esse bem: R$ 600.000,00

Então:

  • Imune: R$ 600.000,00

  • Sujeito a ITBI: R$ 400.000,00

Se o capital a integralizar for igual ao valor do imóvel, não há excedente:
→ Na prática, a operação fica 100% imune ao ITBI.

3. Tema 1.348: imunidade incondicionada quanto à atividade da empresa

O Tema 1.348 nasce do RE 1.495.108/SP (Município de Piracicaba), em que se discute se a imunidade do ITBI:

  • depende ou não da atividade preponderante da pessoa jurídica;

  • se alcança também empresas cuja atividade seja compra e venda de imóveis, locação ou arrendamento mercantil.

Em sessão virtual de 03 a 10/10/2025, o voto do Relator, Min. Edson Fachin, foi no sentido de:

  • julgar procedente o recurso;

  • reconhecer que a imunidade do ITBI na integralização de capital é incondicionadaindepende da atividade preponderantemente imobiliária;

  • propor a tese:

“A imunidade tributária do ITBI, prevista no art. 156, § 2º, I, na realização do capital social mediante integralização de bens e valores, é incondicionada, portanto, indiferente à atividade preponderantemente imobiliária.”

Até o momento descrito na decisão:

  • Acompanharam o Relator: Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin (este, com ressalvas, principalmente voltadas à repressão a fraudes/simulações).

  • Houve pedido de vista do Min. Gilmar Mendes, suspendendo a conclusão do julgamento.

Ou seja:

  • Tema 796 resolve o “quanto” (limite numérico da imunidade);

  • Tema 1.348 tende a resolver o “quando” (a imunidade independe do tipo de atividade da pessoa jurídica).

4. Limitação quantitativa na prática: como aplicar o Tema 796

A partir do Tema 796, o raciocínio fica quase “matemático”:

  1. Determinar o valor de mercado do imóvel

    • Não é, necessariamente, o “valor venal de IPTU”.

    • Fala-se em “valor do bem”, em perspectiva econômica (valor de mercado).

  2. Verificar o valor do capital social a ser integralizado com aquele bem

    • Constará no contrato ou alteração contratual.

  3. Comparar os dois valores:

    • Se valor do imóvel ≤ capital integralizado → imunidade total (não há excedente).

    • Se valor do imóvel > capital integralizado → imunidade até o capital; excedente tributável.

4.1. Exemplos esquemáticos

Exemplo 1 – Imunidade total

  • Imóvel avaliado em: R$ 900.000,00

  • Capital integralizado com esse bem: R$ 900.000,00

→ Não há excedente → ITBI = 0.

Exemplo 2 – Imunidade parcial

  • Imóvel avaliado em: R$ 900.000,00

  • Capital integralizado: R$ 600.000,00

→ Imune: R$ 600.000,00
→ Base de cálculo de ITBI: R$ 300.000,00.

5. E a empresa imobiliária? Tema 1.348 e a “atividade preponderante”

Durante muito tempo, municípios sustentaram:

“Se a pessoa jurídica tiver atividade preponderantemente imobiliária, não há imunidade de ITBI.”

Essa leitura se ancorava em textos anteriores (Constituições antigas, interpretação conjunta com o CTN, etc.), mas o STF, no voto de Fachin no Tema 1.348, caminha em outra direção:

  • A condição da atividade preponderante não se aplica à integralização de capital;

  • A restrição pode até ser discutida em hipóteses de fusão, incorporação, cisão ou extinção, mas não para a conferência de bens para realização de capital.

Portanto, se essa tese for consolidada, teremos:

  • Imunidade até o limite do capital (Tema 796);

  • Indiferente se a empresa é ou não imobiliária (Tema 1.348).

6. Leilão e arrematação: dá para “usar” a imunidade para não pagar ITBI?

Chegamos à pergunta prática que muitos clientes fazem – e que é terreno fértil para desinformação:

Se a empresa comprar (arrematar) o imóvel em leilão, pode usar a imunidade de integralização de capital para não pagar ITBI?

6.1. Resposta curta e direta

Não.
No cenário em que a própria empresa é arrematante, a imunidade da integralização não afasta o ITBI devido na arrematação.

6.2. Por quê?

Porque são fatos jurídicos diferentes:

  1. Arrematação em leilão (judicial ou extrajudicial)

    • É uma transmissão onerosa inter vivos para a empresa adquirente.

    • Configura fato gerador típico do ITBI.

    • O adquirente, aqui, já é a pessoa jurídica.

  2. Imunidade de integralização de capital

    • Pressupõe transmissão de bem do sócio para a pessoa jurídica em pagamento de capital subscrito.

    • Ou seja, um bem que estava no patrimônio do sócio é conferido ao patrimônio social.

Se o imóvel entra diretamente no patrimônio da empresa pela arrematação, não há “etapa” de transmissão do sócio para a PJ em integralização.

Logo, não se está diante da hipótese constitucional de imunidade, e sim de uma aquisição onerosa pela pessoa jurídica.

Resultado:
ITBI é devido na arrematação, mesmo a empresa não sendo imobiliária.
→ A imunidade da integralização não “apaga” esse fato gerador.

7. E se o sócio arremata e depois integraliza na empresa?

Aqui o desenho muda:

Cenário alternativo
  • Pessoa física (ou outra PJ) arremata o imóvel em seu nome → paga ITBI sobre a arrematação.

  • Depois, esse sócio contribui o mesmo imóvel para integralizar capital numa pessoa jurídica.

Neste segundo momento:

  • O imóvel é transmitido do sócio para a sociedade em pagamento de capital → exatamente a hipótese do art. 156, § 2º, I, CF.

  • Aplica-se a imunidade de ITBI até o limite do capital integralizado (Tema 796), independentemente de a empresa ser ou não imobiliária (Tema 1.348, se consolidado).

Mas atenção:

Isso não elimina o ITBI da arrematação;
Apenas evita uma segunda incidência de ITBI na conferência de bens.

8. Pontos de atenção para a prática forense e consultiva

Para atuar com segurança nessa seara, vale ter alguns checklists em mente:

8.1. Na integralização de imóveis
  • Identificar claramente:

    • Valor de mercado do imóvel;

    • Valor do capital a ser integralizado;

    • Se há excedente (tributável) ou não.

  • Deixar claríssimo no contrato/alteração social que aquele bem é conferido em pagamento de capital subscrito.

  • Guardar laudos, avaliações e documentos que respaldem o valor atribuído ao bem (inclusive para afastar alegações de fraude/simulação).

8.2. Em leilões/arrematações envolvendo pessoas jurídicas
  • Esclarecer ao cliente que:

    • ITBI da arrematação é devido, seja o arrematante pessoa física ou jurídica;

    • Estruturas societárias podem ter impacto em IR, planejamento sucessório etc., mas não criam “imunidade mágica” para o ITBI da arrematação.

  • Verificar, em caso de cobrança abusiva, discussões sobre:

    • Base de cálculo (valor da arrematação x “valor venal de referência”);

    • Eventuais ilegalidades em leis municipais.

9. Conclusão

A conjugação entre Tema 796 e Tema 1.348 tende a consolidar um quadro mais nítido:

  • A imunidade do ITBI na integralização de capital é:

    • Parcial, limitada ao valor do capital subscrito e integralizado;

    • Incondicionada quanto à atividade da empresa, se prevalecer a tese proposta no Tema 1.348.

Por outro lado, é importante não misturar integralização com arrematação:

  • Na arrematação em favor da própria PJ, o ITBI incide normalmente.

  • A imunidade entra em cena na conferência de bens do sócio para a sociedade, não na compra/leilão em si.

Para quem atua com direito tributário, societário, imobiliário ou planejamento patrimonial, entender esses contornos é essencial para:

  • desenhar estruturas lícitas e eficientes;

  • orientar corretamente o cliente;

  • e, quando necessário, impugnar exigências municipais que desrespeitem os limites definidos pelo STF.